A poesia, o sagrado e Deus

O instante poético é uma revelação que nos conduz ao sagrado.

A poesia, o sagrado e Deus

Padre João Medeiros Filho*


Segundo Adélia Prado, “o êxtase poético é a experiência de uma realidade fora de
nós, transcendente, sagrada” (Deus). São bem conhecidas estas palavras da escritora
mineira. A assertiva supracitada exprime a força latente da poesia, considerada linguagem
divina, revestida de roupagem humana. Quando os conceitos não conseguem manifestar o
que se sente, a metáfora salva, tornando-se o seu regaço e alcançando aquilo que é belo.
Revela a essência do real, transpirando deslumbramento e harmonia. Além de toda
conceituação lógica ou racional, o poema comunica a vivência daquilo que nos escapa e
nossa linguagem cotidiana não dá conta de expressar. Santa Teresa d´Ávila afirmava que “o
viver poético é uma experiência mística, de límpido deslumbramento e encanto. É ver este
mundo iluminado pela beleza.”


O instante poético é uma revelação que nos conduz ao sagrado. Por meio dele, a
realidade mostra-se no cotidiano da existência, como uma surpresa que nos seduz e faz ver
além do trivial e do imediato. Isto encontra também expressão na arte. Porém, a poesia paira
em toda obra artística, despertando em nós uma sede do transcendente e infinito. “Ela tem
comunicação secreta com a alma humana”, dissera Pablo Neruda. A beleza existe em tudo.
Mas somente a sensibilidade, a arte e a poesia sabem encontrá-la.


A poesia reveste-se de uma vitalidade espiritual e mística. Não porque trate desse
tema ou fale sobre Deus, mas por gerar em nós um sentimento transcendental. Encanto e
enlevo são duas de suas dimensões religiosas e espirituais. Não se trata de afirmar que ela
seja ou deva ser confessional ou esteja a serviço das religiões. Cumpre-lhe servir sempre à
beleza, pois é sua missão cotidiana. E quem a percebe, está em comunhão com o sagrado.
Ela é uma das faces visíveis do divino, a qual nos salva de nós mesmos e da dureza desta
vida. Sabiamente, Dostoievski dissera que “só a beleza nos salvará e a ternura redimirá o
mundo.” E, na mesma linha, a poetisa de Divinópolis proclama, quase teologicamente:
“fora da poesia não há salvação.”


Alcançar a transcendência é um dom concedido, que nos caracteriza como criaturas
humanas. Somos seres para além de nós mesmos. Isso faz-nos religiosos, abertos para
Aquele que nos ultrapassa e, num sem fim de possibilidades de nomeação, é conhecido pelo
nome de Deus. A poesia tece o liame ou a teia que nos conecta ao Absoluto e Eterno. É,
portanto, intrínseca e radicalmente algo religioso, seja confessional ou não. Para os que têm
fé, a vivência poética extrapola suas expressões comuns. É o saber e o sabor do divino. “A
borboleta pousada ou é Deus ou é nada”, poetizou Paul Claudel.


A poesia tem uma relação íntima com a espiritualidade. Ambas são nomes do êxtase
diante do Inefável, que nos arrebata. Elas se expressam por meio de símbolos, parábolas,
alegorias etc., isto é, buscando revelar aquilo que a linguagem corriqueira não alcança. O
mundo tem fome de beleza e os poetas são como diáconos desse pão sagrado, verdadeiros
profetas que anunciam a salvação, mesmo entre os escombros do sofrimento, da dor e da
morte. Estar atento à revelação do que encanta é tarefa do poeta. Ser sempre mais, para
além de si mesmo, é igualmente sua vocação.


Deus é também poesia e nela se manifesta, não obstante sua aparente invisibilidade
presencial e imaginária taciturnidade cotidiana. Impossível não o sentir. Quem poderá ver o
Criador? Este é como o vento. Pode-se senti-lo na pele; ouvem-se sua voz e seu murmúrio
nas folhas das árvores, nas frestas das portas. Mas não se sabe de onde vem, nem para onde
caminha. Na flauta, o vento converte-se em pura melodia. Não há como detê-lo. Entretanto,
as religiões tentam enclausurar Deus em suas teorias e conceitos limitados. E, se Ele está
fechado e isolado numa concepção ou ideia, ficará ausente do resto do mundo. Para Mário
Quintana, “a poesia purifica a alma e um belo poema sempre leva a Deus.” A lágrima se
evapora, o sorriso se abre, a flor desabrocha, enquanto a poesia e a oração aproximam a
criatura de seu Criador! Nada mais justo do que proclamar como o salmista: “Senhor, eu
cantarei eternamente o vosso amor” (Sl 89/88, 1).

*Padre João Medeiros Filho é sacerdote do clero secular. Natural de Jucurutu.
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras e da Academia Mossoroense de Letras. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Mestre e Doutor em Teologia e Comunicação pela Universidade de Louvain (Bélgica).