No Natal, Deus se faz criança
O Natal cala-nos diante da simplicidade, bem como da benevolência infinita e celestial
Padre João Medeiros Filho
Santo Antão, um anacoreta do século III, inspirado no Livro da Sabedoria (Sb 18, 14-15) escreveu: “Quando a noite estava no meio de seu curso, tudo parou e silenciou, porque nasceu um Menino, o Salvador da humanidade.” A retórica do presépio pretende mostrar que Deus não é severo, ameaçando nossas vidas. Ele surge no meio de nós como uma criança. E esta não julga nem condena. Deseja tão somente revelar a clemência e o afeto divino. A manjedoura de Belém sussurra-nos uma profunda mensagem de paz. Hoje, vive-se na civilização da incerteza e do medo, até mesmo de Deus. Talvez, nós ministros religiosos, tenhamos uma parcela de culpa. Por vezes, anunciamos mais o castigo divino do que o perdão, a benignidade e a ternura. Jesus se fez pequeno. É o Emanuel, Deus conosco. Não se pode esquecer as palavras dos anjos aos pastores: “Não temais, anuncio-vos uma grande alegria: nasceu para vós o Salvador” (Lc 2, 10). O termo empregado pelos arautos celestiais foi salvador e não juiz.
O Natal cala-nos diante da simplicidade, bem como da benevolência infinita e celestial. Resta-nos dar lugar ao coração que sente, se compadece e ama. Não se poderia fazer outra coisa diante de um menino, sabendo que Ele é o Verbo humanado. Vale lembrar Fernando Pessoa: “Ele é a eterna criança, o Deus que faltava. Ele é o divino que sorri e que brinca. É a criança tão humana que é divina.” O Natal traz-nos uma permanente mensagem: importa muito o espírito de bondade, doçura que encanta, pureza enchendo a alma humana da inefável e enriquecedora graça sobrenatural.
Na festa do Natal de Cristo, somos todos convidados a ver com os olhos da alma, do afeto e do coração. Não raro, somos frios e indiferentes. O Pequeno Príncipe já dizia: “Só se vê bem com o coração.” Santa Dulce dos Pobres mostrou-nos que o cristianismo é feito muito mais com o coração do que com sermões. Neste Natal, vamos resgatar nossa afetividade, deixar-nos comover com nossas crianças interiores, permitir que elas sonhem e nos encham de encanto diante do Menino Jesus. Este sentiu prazer e alegria, querendo ser um de nós. “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 14). Tendo passado pela experiência de ter sido criança, Ele lançou aos discípulos o convite à infância espiritual: “Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3). Natal é isso também.
Na liturgia natalina e do cotidiano da vida, o Eterno vem a nós para nos transformar em irmãos, mudar nossa noite em dia, proteger-nos dos perigos, iluminar nossa cegueira e fortalecer nossa fraqueza. Deus assumiu o homem, não obstante a sua infidelidade, a rejeição do Amor na aurora da humanidade. Um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado. Cristo se fez um como nós, porque quis ser para todos misericórdia e perdão. Portanto, “alegremo-nos todos no Senhor, pois nasceu para nós o Salvador” (Lc 2, 11). Desceu do céu para nós a verdadeira paz!
O Natal é a resposta à utopia humana, à sua sede e procura inquietas. Em Cristo, Deus materializou todo o nosso sonho: tornar-se imortal, pleno de bondade, rico de benevolência, templo da justiça, fonte da verdade, berço do perdão e da paz. Jesus veio restaurar pela graça a humanidade, em sua beleza original e grandeza primeira da criatura, antes da triste realidade do pecado. O Natal é a convivência celestial nos caminhos da terra, a partilha da Vida divina com a existência terrena, o encontro do Eterno com o tempo, a Presença duradoura no efêmero dos homens. É o Criador decidindo habitar a terra. Destes sentimentos devem se revestir as festas natalinas. A todos desejamos um Natal cheio de graças e de Luz. Precisamos dela neste mundo – em especial no Brasil – rumo a um futuro incerto. Tenhamos fé, Deus indicar-nos-á também uma estrela, como a de Belém, a mostrar o caminho que nos leva ao Salvador. A todos um Natal pródigo de graça, alegria, saúde e paz! “E a gloria do Senhor nos envolva de luz” (Lc 2,9).