Uma conversa na praia, a COP 30 e aves testadas como armas biológicas

O que começou como uma pesquisa sobre a emergência do ambientalismo internacional se transformou em uma caçada por documentos perdidos, pistas em cartas trocadas e a verdade por trás de um projeto científico com ar de cortina de fumaça para uma empreendimento voltado à guerra do Vietnã.

Uma conversa na praia, a COP 30 e aves testadas como armas biológicas

Por Thiago Domenici

Diretor da Agência Pública e chefe da sucursal em Brasília

A memória nos prega peças. Mas há oito anos, eu estava em uma praia ensolarada de Salvador, em companhia de amigos, quando uma conversa despretensiosa plantou em mim o interesse numa reportagem que só publicamos nesta semana. “Lembro da gente ter conversado sobre isso na praia, quando eu tava grávida de Mimi”, recorda a historiadora e amiga Laura de Oliveira Sangiovani, que descreveu à época sua imersão inicial numa pesquisa que a levaria a mergulhar nos anos seguintes nos porões do Washington D.C, e a enfrentar sua fobia de pássaros para desvendar uma trama que conecta a Guerra Fria à Amazônia.

O que começou como uma pesquisa sobre a emergência do ambientalismo internacional se transformou em uma caçada por documentos perdidos, pistas em cartas trocadas e a verdade por trás de um projeto científico com ar de cortina de fumaça para uma empreendimento voltado à guerra do Vietnã. A cada gaveta de metal aberta no Museu Nacional de História Natural da Smithsonian, a cada nome sussurrado em um almoço, o suspense aumentava. Milhares de aves amazônicas, perfeitamente empalhadas, guardavam um segredo: a possibilidade de terem sido usadas como vetores de armas biológicas pelo exército americano, em testes realizados em plena Belém do Pará, a cidade que hoje recebe a COP 30. 

A ironia é cortante. Enquanto o mundo se reúne para discutir o futuro do planeta, as sombras do passado se projetam sobre a capital paraense. A história do Projeto Ecológico Belém (BEP), coordenado pelo ornitólogo Philip Strong Humphrey, é um lembrete contundente da vulnerabilidade da Amazônia e dos perigos da exploração desenfreada, seja em nome da ciência, da segurança nacional ou do lucro. As mesmas florestas que hoje clamam por proteção foram, décadas atrás, palco de experimentos que poderiam ter desencadeado epidemias e alterado ecossistemas de forma irreversível? 

A crise climática que enfrentamos é fruto de uma longa história de descaso e abuso ambiental, muitas vezes justificados por interesses geopolíticos e econômicos. A investigação de Laura, que ainda busca respostas para perguntas cruciais – houve surtos epidemiológicos nas comunidades próximas a Belém? As técnicas foram aplicadas no Vietnã? Como 4.426 aves mortas brasileiras cruzaram o oceano sem deixar rastros na alfândega? –, nos obriga a encarar as consequências de nossas ações e a lutar por um futuro onde a ciência sirva à vida, e não à destruição. 

Enquanto os líderes mundiais debatem metas e acordos em Belém, as aves silenciosas do Smithsonian contam uma história que nos lembra que a preservação da Amazônia não é apenas uma questão ambiental, mas também um ato de justiça histórica e um compromisso com as futuras gerações.

A imagem das aves em exposição nos EUA, admiradas por visitantes que desconhecem seu passado sombrio, é uma metáfora poderosa do nosso próprio desconhecimento sobre as forças que moldam o mundo em que vivemos. A COP 30, nesse contexto, não é apenas um evento sobre o futuro, mas também uma oportunidade de revisitar um passado desconhecido.