1º Seminário Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais é realizado no Idema
A programação promoveu um amplo diálogo intersetorial e valorizou os saberes ancestrais, com foco na justiça socioambiental e no reconhecimento da pluralidade cultural do RN.

O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema) sediou o 1º Seminário Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais. O evento aconteceu no Auditório Geólogo José Gilson Vilaça, na sede do órgão ambiental, em Natal, reunindo representantes de comunidades tradicionais de diversas regiões do estado, gestores públicos, pesquisadores e parceiros institucionais. Os debates giraram em torno de políticas públicas, desafios e perspectivas para a proteção dos modos de vida e dos territórios tradicionais.
Com o tema Vozes Potiguares, o seminário contou com painéis temáticos, apresentação da Plataforma de Territórios Tradicionais e discussões sobre a criação do Comitê Estadual Intersetorial de Desenvolvimento Sustentável para Povos e Comunidades Tradicionais (CESPCT). A programação incentivou a escuta ativa, o diálogo intersetorial e a valorização dos saberes ancestrais, com foco na justiça socioambiental e na valorização da diversidade cultural potiguar.
Para o diretor técnico do Idema, Thales Dantas, o evento representou um passo importante na construção de políticas públicas mais inclusivas. “Este seminário foi um marco para o fortalecimento das ações voltadas aos povos e comunidades tradicionais do nosso estado. O Idema reafirmou seu compromisso em promover espaços de escuta, valorização dos saberes tradicionais e articulação entre governo e sociedade civil. Saímos daqui com a certeza de que este é apenas o começo de um trabalho que precisa ser contínuo, independente de quem esteja à frente da gestão pública”, destacou.
O evento foi realizado por meio de parceria entre o Idema, a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ), a Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH) e o Governo do Estado, com apoio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).
A diretora da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, Cláudia Regina de Pinho, ressaltou a importância da escuta qualificada e do diálogo com os povos e comunidades tradicionais na formulação de políticas públicas. “Desejo que este seminário gere bons frutos. Como gestora e também mulher pertencente a uma comunidade tradicional, entendo a responsabilidade que temos ao tratar desta pauta. Nosso compromisso é duplo: garantir que as políticas públicas respeitem e atendam as realidades dos povos e comunidades tradicionais. Reconheço ainda o valor da vontade política para fazer as coisas acontecerem. Não adianta políticas criadas apenas em Brasília, sem diálogo com a realidade concreta dos territórios. Um plano de ação precisa ter raízes, precisa nascer nos territórios”, afirmou.
Pinho também elogiou a iniciativa do Governo do Rio Grande do Norte ao priorizar o tema, e disse que quem ousa abrir espaço para essa discussão, tem muito a ganhar. "Esses espaços não são apenas de controle social, mas de construção conjunta, onde as vozes dos territórios podem se manifestar, trazendo suas dores, angústias e esperanças. Que este espaço siga fortalecido, com a participação ativa das lideranças, para que as políticas públicas tenham sentido real na vida de quem vive e cuida desses territórios”, completou.
Fernanda Rêgo, subcoordenadora de Desenvolvimento Sustentável de Povos, Comunidades Tradicionais e Territórios Rurais do Idema, também destacou a importância do momento: “Um órgão ambiental só cumpre plenamente seu papel quando se compromete a ouvir e valorizar quem vive nos territórios. Este seminário proporcionou um espaço de escuta ativa e fortaleceu as reflexões coletivas sobre os desafios socioambientais enfrentados por grupos historicamente vulnerabilizados”, pontuou.
Ao longo do dia, quatro painéis nortearam os debates: Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais: desafios e perspectivas; Plataforma de Territórios Tradicionais e Projeto Territórios Vivos; Desafios na Permanência e Preservação de Territórios no RN; Formação do Comitê Intersetorial Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais.
“Escuta ativa, valorização dos saberes ancestrais e construção coletiva de caminhos para fortalecer as comunidades e proteger seus territórios. Hoje, refletimos sobre justiça socioambiental, diversidade cultural, racismo ambiental, os desafios diários enfrentados pelos povos e, sobretudo, sobre a importância de políticas públicas integradas, que respeitem e incluam quem vive e cuida da terra”, acrescentou Fernanda.
Durante o evento, lideranças indígenas e quilombolas também ressaltaram a relevância do encontro. O cacique Luiz Katu afirmou que “o seminário foi uma oportunidade para que nossas vozes ecoassem em um espaço institucional. Mostramos que nossos saberes não pertencem apenas ao passado, mas continuam vivos e fundamentais para a preservação dos territórios e da cultura. Aqui estão reunidos aqueles que, há séculos, protegem a terra e sustentam a vida. Que possamos transformar espaços como este em trincheiras de fortalecimento das políticas públicas, pois são os povos originários que, desde sempre, guardam a natureza e defendem o equilíbrio que sustenta todos nós.”
Lidiane Apolinária, representante das comunidades quilombolas, reforçou o sentimento de união e continuidade: “Saímos daqui com mais força para seguir na luta. Ver tantas comunidades reunidas, dialogando com o poder público, nos dá esperança. Nossa história precisa ser respeitada e nossos direitos, garantidos. Temos o compromisso coletivo de seguir discutindo e construindo ações concretas em defesa dos povos e comunidades tradicionais potiguares”, disse Lidiane, que também é mulher negra, quilombola, bacharel em Direito com mestrado em Antropologia, e integrante do Movimento de Mulheres Negras.
A presidente da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Mary Sorage, destacou a importância do seminário: “Entre os princípios que norteiam as Reservas da Biosfera, há um que carrego com muito respeito: o da memória, da espiritualidade e da dignidade dos povos. A UNESCO nos orienta a promover o diálogo intercultural nesses territórios, e é isso que estamos fazendo aqui. Este espaço foi aberto para a troca de saberes, para escutarmos e aprendermos com aqueles que têm muito a ensinar. É fundamental reconhecermos que existem muitas formas de viver, de curar, de criar, de ensinar e de cuidar da terra. Cada povo carrega um universo de conhecimentos, e este encontro é uma oportunidade de honrar essas múltiplas sabedorias”, comentou.
No período da tarde, as atividades seguiram com novos diálogos e encaminhamentos. Entre as propostas debatidas, destacaram-se a necessidade de ampliar a representação dos povos e comunidades tradicionais nos espaços de decisão, o fortalecimento de políticas públicas específicas para a permanência nos territórios e a consolidação de instrumentos que garantam a proteção dos modos de vida tradicionais.
Para os participantes, o evento marcou um passo importante na luta por reconhecimento e direitos. “O seminário não termina aqui. Ele planta sementes para que continuemos mobilizados, atentos e atuantes, fortalecendo redes de apoio e cobrando a efetivação das propostas discutidas neste encontro”, resumiu uma das lideranças presentes.
O Idema, juntamente com as demais instituições parceiras, seguirá acompanhando os desdobramentos do evento, reafirmando o compromisso com a inclusão, o respeito e a valorização dos povos e comunidades tradicionais do Rio Grande do Norte.
O dispositivo de abertura do evento foi composto por Thales Dantas (Idema); Luiz Katu (cacique indígena); Doté Olyssassi (representante dos povos de matrizes africanas); Lidiane Apolinária (representante das comunidades quilombolas); Anderson Targino (representante dos povos ciganos); Rosângela de Souza (presidente da Fepern e representante dos pescadores artesanais); Maria Iris de Oliveira (Sethas); Cláudia de Pinho (MMA); Ana Paula (CNPCT); Ana Luiza Romão (PGE); Allyne Macedo (MPF); Carlos Antônio (prefeito de Jundiá); e Francisco Cândido Jr. (Secretário de Igualdade Racial de Ceará-Mirim).
O segundo painel foi conduzido pela representante da GIZ, assessora de projeto Territórios Vivos, Ariane Santiago, que tratou da Plataforma de Territórios Tradicionais, uma ferramenta participativa para defesa direitos de Povos e Comunidades Tradicionais. O momento contou com a participação de Allyne Macedo, do Ministério Público Federal.
Já o painel sobre os “Desafios na Permanência e Preservação de Territórios no RN” foi mediado por Taciana Tapuia Paiaku, da comunidade indígena Tapuia, no Seridó Potiguar.
“Não se trata apenas de garantir um pedaço de terra, mas de reconhecer o direito ancestral de existir, nosso principal desafio: continuar existindo. É urgente a implantação de políticas públicas de valorização destes povos e de iniciativas que lutam para a igualdade étnico-racial, protegendo as culturas, as tradições e os modos de vida que mantêm viva a essência dos povos. Essa luta não é só nossa, é de toda a sociedade que acredita na justiça e no respeito às raízes do Brasil”, disse a representante dos povos tradicionais de matrizes africanas, Yá Luciene Oyá Tobínà.
Ao final das discussões, foram escolhidos 17 representantes e seus respectivos suplentes para compor o Comitê Intersetorial de Desenvolvimento Sustentável para Povos e Comunidades Tradicionais do RN. A posse dos eleitos será dada em posterior encontro com a presença da Governadora do RN, professora Fátima Bezerra.